Pedalar longas distâncias é o desejo de muitos ciclistas iniciantes. Terminar uma prova rapidamente, sem sofrer e ainda ter um bom resultado também.
Mas a ideia de enfrentar um percurso aparentemente insuperável pode criar um efeito psicológico esmagador aos novatos nesse tipo de competição. Será que tenho capacidade para treinar para uma prova de 200 km? Conseguirei suportar as intensidades de esforço a que vou me submeter? Essas questões costumam amedrontar os atletas amadores. Mas, com treino e dedicação, um percentual muito grande de iniciantes consegue cumprir o desafio de pedalar longas distâncias que superam os 100 km.
“A primeira atitude a se tomar é procurar por um evento que seja abusado e ao mesmo tempo acessível. A segunda é avaliar toda a estrutura de prova, para se sentir seguro. Depois, é preciso tempo para planejar e treinar. E determinação, claro. Sem isso, ninguém conclui nenhuma prova longa”, diz Mario Roma, mountain biker e fundador da Brasil Ride, considerada uma das dez melhores ultramaratonas de MTB do mundo.
Quem quer pedalar longas distâncias tem de se informar. “Treinar forte e se preparar com antecedência são sempre as melhores dicas, pois provas longas não são brincadeiras de fim de semana, elas exigem do corpo equilíbrio. Quanto antes você escolher seu desafio, mais tempo terá para chegar completo na largada”, afirma Thiago Vinhal, triatleta especialista em disputas de Ironman, em que se pedala 180 km entre as etapas de natação (3,8 km) e corrida (42 km).
Preparo físico
“Não dá para pensar que é só ir devagar que se chega lá. Depende muito do preparo físico. Com boa técnica, também se gasta menos energia”, aconselha Adriana Nascimento, treinadora especializada em mountain bike e ciclismo de estrada, nove vezes campeã brasileira de cross-country e campeã brasileira de maratona. “Fortalecer os músculos é fundamental, pois o corpo tem vários pontos vulneráveis, como joelhos, lombar (core), costas e pescoço, que serão muito exigidos. Eu aconselho a fazer atividades complementares como pilates, que trabalha muito a sustentação da coluna e o alongamento, além de musculação e exercícios funcionais.”
O ex-ciclista profissional Arthur Audi, que já participou inúmeras vezes do MTB 12 horas e também da Race Across America, uma das provas mais exigentes do planeta, conta que a maioria dos iniciantes tem muita força, mas peca na técnica. “Atletas que não conhecem seus limites não conseguem fazer treinos tão longos porque se excedem na primeira hora. Eles não sabem diluir a força ao longo de tanto tempo. Desperdiçam tudo nas três primeiras horas, e aí já era.” Segundo ele, é preciso testar nos treinos o que vai ser aplicado durante a prova, com uma dinâmica de começo, meio e fim. “É como uma peça de teatro. Se forem ensaiadas repetidamente as mesmas coisas, dá para corrigir os erros e há muito mais chance de êxito. O que vejo é que o pessoal é disciplinado para acordar cedo, mas indisciplinado para manter o ‘script’ durante a competição.”
Ative o metabolismo da gordura
Os ensaios já podem começar no aquecimento, sugere Arthur. Em uma prova de 100 a 130 km, por exemplo, dá para aquecer uma hora antes, a 60% da frequência cardíaca máxima, preparando o corpo para o que vem pela frente. Já em uma prova mais longa, esqueça aquecer antes. Isso será feito depois da largada, nos primeiros 45 minutos, pelo menos.
“Para começar a ativar o metabolismo da gordura, que é a fonte de energia no endurance, demora um pouco mais de tempo. Os primeiros 15 minutos podem ser bem leves para, na próxima meia hora, começar a dar um pouco mais de ritmo. Assim, o corpo entra em estado de equilíbrio e os batimentos se estabilizam”, diz Arthur. “O coração, para mim, diz quase tudo. Por isso, use o monitor de frequência cardíaca para dosar a força. O primeiro terço da prova precisa ser ritmado, mas depois a frequência precisa abaixar, pelo menos até metade da prova, senão você vai se arrastar pelo resto dela”, completa.
Dinâmica de subida, monitoramento de frequência cardíaca, técnica de troca de marcha, domínio do ego e mentalidade conservadora. Para Arthur, esses são os pontos-chave a serem trabalhados. “O que tenho visto, ano após ano, é que aqueles que fazem provas mais conservadoras, repetindo o que aplicaram nos treinos, têm muito mais sucesso. Em provas longas, o resultado final não é aquele instante de força ou aquela primeira hora que você voou baixo, mas, sim, uma média do que você fez nas seis ou sete horas de pedal.” Por isso, deixe para entrar no limiar anaeróbico no fim, que é a parte mais crítica, quando faltar 15% a 20% do percurso. Essa é a hora de queimar a energia que ainda resta. É onde entra a raça no ciclismo amador.
Rotina
Thiago afirma não existir tempo ou distância ideais para treinamento. Para ele, o iniciante precisa identificar em sua rotina semanal quanto tempo tem disponível para a prática do ciclismo e apresentar isso ao seu treinador. “Para um atleta iniciante com o objetivo de treinar para um Audax de 200 km, por exemplo, eu começaria a orientação com três treinos semanais, totalizando cerca de cinco horas e média de 150 km, aumentando para até 10 a 12 horas de treinos no período específico.”
Ou seja, é necessário tempo (e paciência) para se preparar para um desafio que marcará para sempre a vida do ciclista. “É preciso aprender o pace, sua velocidade de cruzeiro, para a coisa funcionar. E só rodando para descobrir. Em uma prova longa, 70% é corpo e 30% é cabeça – só que esta será usada apenas na reta final, quando acabar a energia do organismo. Lidar com o cansaço fora da zona de conforto é a graça do negócio. É xadrez, não é só força bruta”, conclui Mario Roma.
PROLONGUE A PERFORMANCE
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