Triste com a morte do pai num acidente, Gideoni decidiu apostar no projeto olímpico. Resultado: o Brasil volta à pista
Por: Ativo/Prólogo
Chegou em quarto lugar, mas não passou despercebido pelos (poucos) repórteres que compareceram à Prova Ciclística Internacional Nove de Julho, neste sábado (9, é claro), na Avenida Lineu de Paula Machado, em frente ao Jockey Club de São Paulo. Gideoni Monteiro (Memorial/Santos/Fupes) pedalou atento a qualquer buraco ou irregularidade da superfície asfáltica. Mesmo assim, completou os 96,4km do percurso em 2h06min47, mesmo tempo do vencedor, Joel Candido Junior (Green Bike/Piracicaba), do vice-campeão Bruno Tabanez (Osasco Cycling), do terceiro colocado Roberto Pinheiro da Silva (Funvic Soul Cycles Team/Carrefour) e do quinto, Cristian Egídio da Rosa (Clube Dataro de Ciclismo). Os cinco formaram um pelotão vencedor.
Apesar da igualdade, Gideoni é o mais vencedor do pelotão. O cearense criado em Sergipe, com residência em Indaiatuba, alcançou uma façanha: recolocou o Brasil no mapa do ciclismo de pista olímpico. O seu antecessor nessa rara linhagem, a dos brasileiros que pedalam dentro de velódromos em Olimpíadas, é Fernando Louro, que participou dos Jogos de 80, 88 e 92. Resumindo: de 96 em diante, o Brasil não teve sequer um participante no grande espetáculo olímpico que é o ciclismo indoor, com voltas e mais voltas percorridas na pista.
Poucos minutos depois de deixar o pódio, ao qual sobem os cinco primeiros colocados, e de se molhar com um pouco de champagne, um Gideoni sereno lembrou sua trajetória. Curiosamente, o projeto de trocar o ciclismo de estrada pelo de arrancar uma vaga na pista nasceu de uma demissão. No olho da rua, após o corte da equipe de estrada de Ribeirão Preto, Gideoni abraçou a ideia de buscar uma vaga na categoria omnium, que está para o ciclismo de pista assim como o decatlo está para o atletismo. Trata-se de uma cruel disputa, com seis etapas (volta lançada, corrida de pontos, corrida de eliminação, perseguição individual, scratch race, contrarrelógio). Tudo isso em dois dias.
Mas como pode um ciclista com tanto potencial ser demitido de uma equipe como a de Ribeirão? Gideoni não desabafa, não reclama da decisão, simplesmente informa: estava abatido com a morte do pai num acidente.
A volta da alegria, da disposição para trabalhar duro com as pernas, veio com o projeto Rio 2016 do valente nordestino. “Sempre foi meu sonho chegar aos Jogos Olímpicos. Depois que decidimos, contamos com apoio e fomos aprendendo como traçar a preparação”.
E como aprenderam. Na rota que tem o Rio como destino final, Gideoni passou meses pedalando na pista do Centro Mundial de Ciclismo da UCI (União Ciclística Internacional) da Suíça. Foram também Flávio Cipriano, Diefferson Borges, Kacio Freitas, todos suando sobre solo helvético. Nesse percurso, Gideoni deu fim a outra seca: a abstinência de metais em provas de pista dos Jogos Pan-Americanos. Desde 95, quando o Brasil foi ao pódio em Mar del Plata na prova de perseguição por equipes (com Mauro Ribeiro, Jamil Elias Svaiden, Marcio May e Hernandes Quadri), não se noticiava, no maior país da América do Sul, um feito similar. O cearense-sergipano deu fim a essa escrita, obtendo um bronze na omnium no Pan de Toronto, em 2015.
Gideoni é grato pelo apoio, mas sofre por pedalar num país que deu às costas aos velódromos, deixou que apodrecessem, permitiu-se gastar muito numa dessas caras e magníficas instalações, aquela construída para o Pan de 2007, posteriormente desmontada e transformada em peças que enferrujam ao léu.
Como se sabe, não houve evento-teste no velódromo construído para a Olimpíada do Rio 2016, que até a data de publicação desta matéria (11 de julho de 2016) não estava totalmente pronto. De qualquer forma, Gideoni, em meio à sua preparação olímpica, não teria vindo ao Rio. Mas o cancelamento do evento-teste, decorrente de falta de organização, é sentida por ele.
“Seria uma oportunidade para divulgarmos, no Brasil, o ciclismo de pista. A imprensa faria matérias, poderia atrair o público”.
Quando está no Brasil, Gideoni se prepara num velódromo descoberto em Maringá. Quando chove, tem que parar. O vento influencia. Dá para treinar, mas não é como se preparar na Suíça. Longe disso…
Dificuldades à parte, Gideoni, que tornou possível sua classificação olímpica graças ao 18º lugar no Mundial de Londres, em março, diz que sonha ficar entre os dez melhores do mundo na Olimpíada. Seria uma baita vitória, e é óbvio que ele já tem a quem dedicá-la: ao pai, José Lusmar, que teve a morte antecipada por um acidente de carro.
Há uma disputa por Gideoni: a imprensa do Ceará faz questão de destacar o lugar em que nasceu, há 26 anos; a de Sergipe lembra o lugar em que foi criado. Até Iracemápolis se orgulha do rapaz. Afinal, foi na equipe daquela cidade, emancipada de Limeira na década de 50, que ele pedalou por anos. O ciclismo de Iracemápolis deve muito a Renato Buck, um daqueles entusiastas do mundo em duas rodas (sem motor). É um desses batalhadores, um daqueles que lutam para manter viva a sua paixão, num cenário de quase nenhum apoio.
O ciclista olímpico, diplomático, dá fim a qualquer tipo de discórdia regionalista. “Sou um ciclista brasileiro”, sorri.
Mas não há tempo para a equipe de reportagem da VO2Bike fazer alguma pergunta, a Gideoni, a respeito de seu período em Iracemápolis. O DJ contratado para animar o público ataca com Here Comes the Sun, composta por George Harrison. Assim se redime do pecado de não incluir na trilha uma música do Queen chamada Bycicle Race. Haveria algum som mais propício naquela manhã? Mas o DJ não é de todo mau. Lembrou do Queen, tocou Crazy Little Thing Called Love. Já é alguma coisa.
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