Marcela e Alan Mortean tinham o sonho de viajar mais. Sem condições de curtirem longas férias no exterior, eles encontraram na própria rotina o caminho para realizar esse desejo
Por: Boa informação
Marcela e Alan Mortean tinham o sonho de viajar mais. Sem condições de curtirem longas férias no exterior, eles encontraram na própria rotina o caminho para realizar esse desejo. Morando em um canto remoto da região dos lagos, no litoral fluminense, percorriam 12km sempre que precisavam comprar pão ou ir ao banco.
Sem carro nem muitas opções de transporte público, apostaram na bicicleta. A cada pedalada, porém, a necessidade virou lazer e logo passaram a fazer pequenas viagens sobre duas rodas. Mas eles queriam mais. Nasceu assim o projeto Ciclos, que pretende percorrer 18 mil quilômetros, até o México.
Um dos objetivos de Alan e Marcela ao iniciar a viagem era mostrar que é possível viajar sem gastar muito. E até agora estão conseguindo: gastam em média R$ 50 por dia. “São R$ 1.500 reais por mês. Dá menos que um salário mínimo para cada”. Isso além do investimento inicial no equipamento, que calculam ter sido de R$ 10 mil.
A aventura começou na cidade de Ourinhos (SP) no dia 15 de março de 2015. Já cruzaram o Paraguai, seguiram para o Uruguai, atravessaram a Argentina e estão no Chile. Pedalam de 50 a 80 quilômetros, em média, por dia. Mas essa é somente a primeira parte do trajeto, que deve percorrer mais 12 dos 22 países latino-americanos.
Eles estimam que, ao fim da viagem (que deve ter duração total de três anos, se mantiverem o ritmo atual), terão gasto R$ 55 mil. Para custear tudo, além de suas próprias economias, contam com o apoio dos familiares e alguma renda conseguida em trabalhos pelo caminho. Por dois meses os dois estão trabalhando em um restaurante na comuna de El Quisco, no litoral chileno.
Foco no orçamento
Para manter o orçamento em ordem, o primeiro passo é evitar gastar com hospedagem. Para isso contam principalmente com a internet, encontrando em sites como Couchsurfing e Warmshowers, pessoas dispostas a recebê-los nas paradas pelo caminho. Outra opção econômica é acampar ou ficar na casa de amigos que vão conhecendo pelo caminho. Mas nem tudo são maravilhas. “Já dormimos também algumas vezes em delegacias de polícia e postos de gasolina”, contam.
Na hora de comer, além de prepararem o próprio alimento com a cozinha portátil que carregam na bagagem, aderiram a uma prática conhecida como freeganismo. “Muitas vezes ganhamos comida das pessoas e outras vezes vamos a feiras ou mercados e perguntamos se há alguma coisa que não vão vender, por já estar quase estragando. Assim, aproveitamos alimentos que iriam ao lixo, preparamos refeições gostosas e com baixo custo ou custo zero”.
Preparação para a jornada
“Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir”. A frase de Amir Klink pode parecer óbvia, mas iniciar a jornada é o primeiro grande desafio para qualquer viajante. “O ponto onde tivemos mais cautela foi com nossas famílias, para avisá-las sobre nossa intenção de pedalar pela América Latina, mostrar que era possível e prepará-los – e a nós também – para o dia da partida”, conta Alan. “Colocamos uma data para iniciarmos a viagem e isso foi muito importante para todos”.
Depois do psicológico, é hora de resolver problemas mais concretos, como o equipamento. Além da bicicleta mountain bike com adaptações para o cicloturismo, como bagageiro dianteiro e traseiro, para-lamas e faixas refletivas, os dois ainda carregam itens de segurança, com capacete, coletes refletivos e óculos; alforjes, que são bolsas para colocar nas laterais da bike; um kit básico de ferramentas e peças para resolver problemas mais comuns, como um pneu furado; um bom equipamento de camping e de cozinha, com fogareiro, panelas, pratos e talheres; e roupas especiais para pedalar na chuva.
“É importante levar o mínimo de coisas possível. É um grande teste de desapego, pois quanto mais coisa colocar em sua bagagem, mais difícil será”, afirma Alan. “A viagem lhe mostrará quais itens são desnecessários – os quais você pode doar ou trocar – e quais são imprescindíveis”.
Definir o roteiro é parte fundamental, calculando distâncias e pontos de interesse que desejam ser visitados. Mas você não precisa ser totalmente fiel ao que foi pré-estabelecido. “Nossa experiência nos mostrou que traçar um trajeto detalhado não vale muito a pena. As pessoas vão sempre recomendar algum lugar incrível que não estava no plano, mas você não pode deixar de conhecer. Então é bom deixar o roteiro um pouco aberto”.
Primeiras pedaladas
Estar bem fisicamente ajuda, mas não é imperativo para iniciar uma longa viagem de bicicleta. “O treinamento veio com a viagem, aos poucos. Vamos sempre devagar e pedalamos sem forçar muito, pois no dia seguinte temos que pedalar novamente. Assim é possível desfrutar mais o caminho e o lugar escolhido para descansar”, conta Alan. “É preciso ter vontade de começar e partir devagar, respeitando seu corpo. Com o passar dos dias, o condicionamento físico vai melhorando”.
Em trechos muito longos, sem muitas possibilidades de parada no caminho, a solução é dar um descanso para as pernas e buscar uma carona que tope levá-los (com todo o equipamento). Eles garantem que quase sempre conseguem.
É verdade que encarar um desafio desse porte, ainda mais com baixo orçamento, não é para qualquer um. É preciso muito desapego aos costumes, confortos e privilégios do dia a dia para que a viagem não se transforme em tormento. Mas, para quem teve a coragem de cair na estrada, a certeza é de que vale a pena.
“O maior aprendizado é comprovar que há muito mais pessoas boas do que más no mundo”, declara Alan. “Desde o primeiro dia de viagem vivenciamos várias experiências de solidariedade. Pessoas que nunca havíamos visto e compartilham tudo o que tem, nos dão muito carinho, nos desejam sorte sem nos conhecer, brindam com um grande sorriso quando nos veem passando e que nos fazem sorrir de alegria ao nos recordarmos deles”.
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