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Travessia dos Andes

  • 31/03/2017

Para comemorar os meus 50 anos de idade, fiz a Travessia dos Andes pelo Paso Pichachén acompanhado de um grupo de 23 pessoas de cinco nacionalidades diferentes: seis do Brasil, duas da Alemanha, duas do Chile, uma da Espanha, e os demais de várias regiões da Argentina; eu, o único do norte-nordeste do Brasil.


Por: Revista Bicicleta por Mauro Melo Albuquerque

 

Para comemorar os meus 50 anos de idade, fiz a Travessia dos Andes pelo Paso Pichachén acompanhado de um grupo de 23 pessoas de cinco nacionalidades diferentes: seis do Brasil, duas da Alemanha, duas do Chile, uma da Espanha, e os demais de várias regiões da Argentina; eu, o único do norte-nordeste do Brasil. Além disso, tínhamos mais cinco pessoas da equipe de apoio que montavam nosso acampamento, preparavam a comida e davam todo o suporte necessário para que tivéssemos um certo conforto mesmo no meio do nada. Depois viajei sozinho de Las Cuevas a Uspallata percorrendo 92 km onde tive o prazer de chegar aos "pés" do gigante Cerro Aconcágua, o mais alto das Américas.

A Cordilheira dos Andes é um lugar fascinante e faz o planeta Terra mais bonito. É a segunda mais alta cadeia de montanhas do mundo. Por isso, alpinistas do mundo inteiro vão para lá em busca de aventura e desafio. Mas a região não é reservada apenas para escaladores radicais, ela é local para ótimas pedaladas, principalmente em cima de uma mountain bike. Atravessar os Andes de bicicleta é algo inesquecível. 

É possível atravessar os Andes, por vários pontos, chamados de Pasos. Fomos pelo Paso Pichachén. Durante a expedição tudo muda: a flora e a fauna são limitadas pelo clima árido de altitude; a vida animal é reduzida a lebres, ratos-dos-Andes, poucos guanacos e raríssimos pumas. Ainda existem condores, perdizes, águias-brancas e falcões.

É um caminho que permanece fechado entre abril e dezembro devido ao inverno andino. No verão, única época do ano possível para realização da viagem, a neve só ocupa os picos de algumas das montanhas com as águas mais calmas do degelo e boas temperaturas. Paisagens únicas, deslumbrantes, desertos, geleiras, picos nevados. O tempo é quente e seco com temperaturas altas e céu azul, pois as chuvas são raras nesta época do ano.

 

PRIMEIRA ETAPA

Primeiro Dia: Chos Malal - Huinganco

A cidade de Chos Malal é pequena. Venta muito. Quando cheguei parecia estar em uma cidade praiana. Ela já foi capital da província de Neuquen, mas agora parece só um lugar de passagem no meio do nada. Tem duas praças bem arborizadas. O hotel de onde partimos é aconchegante.

No tão esperado dia da partida, após uma reunião tipo briefing, com duas horas de duração, com o coordenador do grupo, Mariano D'Alessandro, instruindo sobre segurança, temperatura, alimentação, saúde e higiene, começamos a pedalar. A primeira parte do trajeto foi toda por asfalto. Em poucos quilômetros, avistamos o Vulcão Tromen, com quase 4.000 metros, e o Cerro Domuyo, mais alto da Patagônia.

Num trecho de 40 km, subimos cerca de 1.000 metros de altitude: uma loucura para quem estava acostumado com os 300 metros da Serra das Andorinhas, no estado do Pará. Mesmo assim, pedalei sem empurrar, apenas com paradas para fotos, descanso e para curtir a paisagem. Antes de chegar ao acampamento, experimentamos uma descida espetacular como prêmio pelo esforço do dia. Ficamos em um camping, em Huinganco, nessa primeira noite, às 19 horas: um luxo perto do que teríamos pela frente. Jantamos um cabrito dos Andes com delicioso vinho malbec de Mendonza.

 

Segundo Dia: Huinganco - Rio Renil Leuvú

A primeira noite  do acampamneto havia sido muito boa, mas agora iniciaríamos a transição para o selvagerismo completo progressivamente: o rio seria nossa banheira, o mato o nosso banheiro, acamparíamos em qualquer lugar.

Em nosso segundo dia, seriam 43 km, com 950 metros de desnível para superar. Foi um dia de subidas e descidas, de vale em vale, conhecendo os verdadeiros rios de montanha da Patagônia, de um azul intenso, utilizados para a pesca de trutas com mosca (Fly Fish). Cruzamos o rio Neuquén, o rio Nahueve e o rio Lileo. O trajeto foi todo no cascalho. Vimos de longe o Vulcão Antuco com o pico nevado. 

Cruzamos uma região vulcânica, um enorme deserto de pedras negras com muito pouca vegetação, dando a ideia do que foi uma erupção vulcânica no passado. Mas o local de nosso segundo acampamento seria completamente diferente: verde, em meio a um cânion ao lado de um rio de montanhas.

Depois do almoço, eu, um brasileiro e um argentino erramos a entrada para Huinganco; quando percebemos, já havíamos descido uma ladeira enorme. Começamos a voltar e desanimamos só de pensar que subiríamos aquela ladeira toda. De repente, o carro de apoio chegou para nos orientar e apontar um caminho alternativo. Nesse dia, tomamos o primeiro banho muito gelado em uma água barrenta, porém, deliciosa, para depois almoçarmos em um barracão de criação de caprinos andinos. 

O tempo fechou e começou uma trovoada com relâmpagos, uma "tormenta elétrica", como nomeou meu amigo Mariano, muito preocupado com a altitude e proximidade nossa com as nuvens. Depois de uma grande descida, onde um acidente traria graves consequências para todos, já que estávamos em uma tempestade distante de tudo e sem comunicação, chegamos às margens do Rio Renil Leuvú, onde acampamos. Depois da chuva, ainda escalei uma montanha para ver uma grande caverna, depois jantamos uma delicioso churrasco argentino regado a vinho, bolinho de chocolate recheado de nozes de sobremesa, e só então fomos dormir, exaustos.

 

Terceiro Dia: Rio Renil Leuvú - Cajon Del Pichachen

Neste dia, programamos uma pedalada de apenas 43 km, pois passaríamos pela Aduana Argentina (alfândega de divisa internacional), onde perderíamos muito tempo para realizar os trâmites de aduana e imigração de todo o grupo. Aproveitamos as tomadas dos carabineiros para carregar as baterias das câmeras. Essas tomadas eram abastecidas por um grande painel solar. Acampamos às margens de um rio gelado que descia dos picos nevados da cordilheira e quase virei picolé! O termômetro da bicicleta registrou dois graus. Fez muito frio: nesse dia senti o que são os Andes, muito frio e subidas fortes.

 

Quarto Dia: Cajon Del Pichachen - Sierra Velluda

Novamente, iríamos enfrentar outro processo alfandegário, na Aduana Chilena. Fomos alertados para não portar frutas, animais ou qualquer tipo de entorpecentes, pois com isso correríamos sérios riscos de sermos presos pela exigente fiscalização chilena, e que se alguém portasse droga seria enquadrado como traficante e estaria seriamente complicado. Só poderíamos portar alimentos industrializados. 

O dia estava com condições ideais para fazer uma subida. Após ingressarmos no Cânion Del Pichachén, chegamos a dois mil metros de altitude. O visual é maravilhoso. Subimos 400 metros em oito quilômetros. Lá de cima, olhando para o horizonte, contemplamos o vulcão Antuco, com quase três mil metros e a importante Sierra Velluda, de 3.865 metros de altitude. Pude avistar o Vulcão Copahue em atividade (expelindo fumaça), e muitos picos nevados.

 

A descida de oito quilômetros foi curta, mas impressionante. Com o solo de areia vulcânica, era preciso muita atenção, mas o downhill foi inevitável, com velocidades incríveis até chegarmos no centro de controle dos carabineiros do Chile, em Los Barros. Ultrapassei os 70 km/h! Nosso almoço foi servido sob as árvores ao lado de uma criação de carpas dos funcionários da aduana. Ao lado desse posto aduaneiro avista-se duas serras revestidas de gelo e ao pé delas, um grande vale, por onde corre um grande rio.

Depois de todo o processo na Aduana, rumamos para as margens de um rio muito gelado, 5 km adiante, onde acamparíamos. O acampamento dessa tarde nos possibilitou capturar imagens que mais pareciam obras de arte. A lua brilhante durante a noite também foi uma imagem que ficou marcada na minha mente. O rio estava gelado: um banho que não tem como esquecer! 

 

Quinto Dia: Sierra Velluda - Acampamento Rio Rucue

É impressionante como a temperatura sobe após o aparecimento do sol. No briefing, pela manhã, fomos avisados que seria o dia das melhores fotos. Nesse dia, pedalamos ao redor do magnífico vulcão Antuco ao oeste e ao norte, e nosso acampamento foi aos seus "pés". Pedalamos com a linda lagoa azul "La Laja" à nossa direita. Foi difícil pedalar, pois a todo instante tínhamos que parar para fotografar. Sobe e desce, pedalamos ao redor do vulcão, vimos algumas lagoas e passamos também por várias cruzes na  beira da estrada de soldados chilenos que morreram em maio de 2005 por causa de uma nevasca que tirou a vida de 45 rapazes (Tragédia de Antuco). Um grande monumento foi erguido no meio das montanhas para lembrar a tragédia. Em seguida, passamos em frente à pequena estação de esqui de Antuco.

Após 20 km, começou uma descida até o início do asfalto. Outra vez, fui "obrigado" a deixar a bike deslizar a mais de 60 km/h. Então, avistei uma estrada para uma trilha e não resisti, saí de nosso trajeto para percorrê-la. Não me arrependi! Pedalei à beira de um precipício, com um rio de águas cristalinas, borbulhantes e de forte correnteza cortando o vale no seu ponto mais baixo. Paisagem fantástica.
Mais ou menos na metade da quilometragem do dia, houve uma transformação radical de vegetação. A paisagem mudou de um visual parecido com a lua, por causa das larvas do vulcão, para uma paisagem com pinheiros: cipestres, radales, lenga, nires coihues, que cobriam as encostas da montanha, enquanto cachoeiras apareciam por toda a parte. Sem contar com o calor, que estava acima dos 40 graus.Terminada a etapa, mergulhamos no Rio Rucue. A água não tão fria convidava para um banho mais longo. À noite, após repor as energias com um saboroso espaguete, o portunhol rolava engraçadíssimo em meio às montanhas andinas.

 

Sexto Dia: Acampamento 
Rio Rucue - Los Ángeles

Esse era o último dia da primeira etapa do meu projeto. Foram 60 km de asfalto que nos levaria lentamente à civilização. A transição foi suave; pouco a pouco, o  tráfego rural aparecia e, aos poucos, nos recordávamos de onde pertencíamos. Sabendo que renunciamos a um mundo ideal, mas conscientes de que somos reféns deste mundo cheio de conforto e comodidades, nos entregamos a um ritmo esportivo intenso. Formamos um verdadeiro pelotão e pedalamos forte: foi uma maneira de transformar o esporte individual em um esporte de equipe. A festa do fim da viagem foi emocionante, com fisionomias alegres, medos superados, e a lembrança de horas e horas de pedal, esforço e dentes cerrados. Depois de dias acampando, chegamos ao conforto de um hotel cinco estrelas, onde finalmente consegui mandar notícias para a família. Mas a experiência do acampamento no meio de uma natureza tão imensa e majestosa é algo que te deixa nostálgico, maravilhado e já com saudades.

 

Sétimo Dia: Los Ángeles - Mendoza - Via Santiago

No Chile, apreciei a espetacular subida dos "Los Caracoles", com dezenas de curvas em ziguezague até entrar no túnel internacional de 3,5 km. Depois do túnel, passamos pelo povoado de Las Cuevas, e ficamos simplesmente quatro horas na fila para fazer os trâmites aduaneiros na divisa entre Chile e Argentina. Uma demora desumana!

 

 

SEGUNDA ETAPA (Solitária)

Oitavo Dia: Las Cuevas - Uspallata

Às seis horas do domingo, tomei o ônibus em direção à Las Cuevas. Tive a sorte de conhecer Silvina, que sentou-se ao meu lado e também tinha o mesmo destino. Las Cuevas é um pequeno povoado a 3.200 metros acima do nível do mar, local de onde eu partiria para Mendonza pedalando sozinho. Silvina me deu algumas informações importantes e um certo apoio no ponto de partida, o abrigo de alpinistas "Viento Blanco", onde seu namorado mora e trabalha.

Atravessei um túnel e pude observar os picos nevados bem de perto, que estavam presentes durante todos os 92 km de percurso. Consegui impor uma velocidade média razoável de cerca de 45 km/h, que aos poucos foi reduzindo pelo vento gelado e contra. 

Cheguei à entrada do Parque Aconcágua, onde se localiza o pico mais alto das Américas, com quase 7 mil metros de altitude. Por 10 pesos argentinos, aproximadamente R$ 5, comprei um ingresso e pude subir pedalando até o mirante, 3 km acima. Perto dali, cheguei à Puente Del Inca, um pequeno povoado que tem uma antiga ponte com um barro amarelo. É um lugar histórico e turístico, com uma feira de artesanato muito interessante com peças lindas de barro e pedras da cordilheira. Também há quiosques de comida, aluguel de cavalos e bicicletas. Em seguida, passei pela estação de neve (sem neve) de Los Penitientes, onde existem hotéis mais sofisticados e caros. Também passei por Punta de Vacas, uma estação aduaneira onde pude ver um depósito cheio de carros e motos apreendidas.

Depois desse trecho, sempre descendo, começaram a aparecer subidas e chuva. O vento contra, forte e frio me fez pedalar com giro alto para vencer a resistência e me manter aquecido. Ainda faltavam 47 km para Uspallata, mas fui parando para fotos e curtindo o belo visual. Um rio sempre acompanhando e sendo alimentado por filetes de riachos que desciam dos picos nevados conduzia até Uspallata, onde peguei um ônibus para voltar para casa. Terminava ali a viagem mais espetacular da minha vida, em que pude testar meus limites, superar adversidades, testar a paciência e a resistência física, aprender muita coisa, fazer amigos, observar o trabalho da equipe da MTB Tours, sob a batuta de Mariano, um verdadeiro líder que nos ensinou como comandar uma equipe em situação adversa aos resultados planejados, com muita alegria e satisfação. 

Descobri que sou capaz de ir bem mais longe do que imaginava e que pedalar 400 km pela Cordilheira dos Andes aos 50 anos pode ser uma experiência muito prazerosa. Descobri que isso tudo é só o começo!

 

GALERIA DE FOTOS ABAIXO 

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